Um projeto que explora os corpos e as suas imagens, desvendando aquilo que os torna, justamente, estrangeiros.
Apesar de aparentarem uma identidade definida, os estrangeiros revelam-se figuras transversais e esvaziadas. No seu deferir, estas figuras são deslocações ora de clichés de identificação ora de estranhezas genuínas comportamentais. Estas figuras oscilam entre um colectivo, um padrão, e um impessoal, solitário. Isolados, os estrangeiros vão cumprindo, exterior ou interiormente, a ideia de um estrangeiro face ao mundo que nos persegue.
A obra dialoga com O Estrangeiro de Albert Camus, onde encontramos o "homem absurdo", uma figura que mergulha no sentimento do absurdo, como nota Sartre. O romance, publicado em 1942, é uma das obras mais importantes de Camus, espelhando a essência da sua visão do mundo e da vida, frequentemente referida como "a filosofia do absurdo".
O estrangeiro de Camus desloca-se pelo mundo de forma inconsequente, sem rumo nem sentido, e transmite uma estranheza absoluta face ao quotidiano e à realidade. É precisamente esta sensação que o espetáculo transporta para o palco, através de movimentos corporais invulgares e perturbadores, numa demonstração contínua do absurdo. Os intérpretes desdobram-se, transmutam-se, encolhem-se e esticam-se, assumindo poses que despertam os sentidos e criam desconforto. Estes movimentos rítmicos, marcados por uma espécie de staccato, tornam a experiência ainda mais singular e envolvente.
Por detrás dos músicos corre um panorama que tempos a tempos se ilumina e no qual se projectam traços e riscos interactivos sobre um fundo negro (João Martinho), que vão sofrendo distorções na relação com os performers, ora pela via do movimento ora pela via da voz e choro. A projecção visual de forma segue interactivamente o que se passa em cena, sempre tudo totalmente envolvido por um desenho de luzes de Alexandre Vieira.
Toda esta formalidade técnico-artistica é servida com excelentes performances de dança do absurdo, fazendo deste espetáculo um momento poderoso, a nível sensorial, capaz de nos envolver e transportar numa jornada existencial.
Ficha Técnica
Direcção e coreografia Né Barros
Música e interpretação ao vivo Alexandre Soares, Jorge Queijo
Intérpretes Bruno Senune, Flávio Rodrigues, Joana Castro, Pedro Rosa
Arte digital João Martinho Moura
Desenho de luz Alexandre Vieira
Adereços e figurinos Flávio Rodrigues e Né Barros
Produção executiva Tiago Oliveira
Parceiro Engagelab, Universidade do Minho
Produção Balleteatro
Co-produção Capital Europeia da Cultura de Guimarães 2012, TNSJ